O Marketing através dos Dados e a Inteligência de Mercado
A utilização de informações para gestão e tomada de decisão sempre foi fundamental na administração de negócios. Há muito que se diz “Informação é poder”, como uma chancela de que, quem tem a melhor informação consegue algum tipo de vantagem sobre quem não tem.
No marketing, ciência que se dedica a entender comportamentos e ambientes e identificar ameaças e oportunidades, propõe estratégias para empresas e seus produtos. Evidencia a importância da informação. Comprova-se esta importância e a necessidade da busca constante pela informação útil em diversos artigos e casos onde os experimentos contribuíram para resultados relevantes.
Um dos pressupostos da informação útil é justamente a confiabilidade, de forma que se possa construir teorias e conclusões em bases precisas e aplicáveis ao propósito que se pretende. Por sorte hoje em dia, pode-se demonstrar a nítida evolução dos mecanismos de busca, coleta, análises e mais recentemente modelagem de dados através de diversos casos de sucesso. Onde empresas e/ou produtos, que outrora nem existiam, hoje exemplificam a força do conhecimento profundo, individualizado e ao mesmo tempo abrangente de pessoas e grupos em suas relações.
Observa-se que a ciência tem servido aos propósitos das empresas no desenvolvimento de modelos que busquem cada vez mais aprimorar seus objetivos. Nunca antes se considerou, de forma tão entusiasta a análise profunda de grandes dados para a estratégia empresarial.
A recíproca é verdadeira, de forma que a academia parece estar motivada na busca das melhores formas para entender e auxiliar nestes desafios empresariais, que sentem as ações do ambiente externo e interno, colocando sua vocação à pesquisa e ao debate a serviço destes objetivos.
Destaca-se como esta evolução tem uma íntima relação com o desenvolvimento da tecnologia, onde talvez o maior expoente tenha sido a WEB que permitiu entre outros avanços nas relações entre pessoas e negócios, uma forma mais efetiva e rápida de coleta de dados. A chamada “IoT” ou Internet das coisas”, sob a ótica de um movimentado “Canal” de comunicação e venda de produtos e serviços, estabeleceu novos parâmetros para medição dos hábitos e preferências do consumo, além de permitir, através dos mecanismos que funcionam no “back office” destes sistemas uma quantidade muito maior de dados e estes já preparados no formato que se deseja para produzir as analises.
Todavia como bem colocam alguns artigos sobre o tema, nunca se produziu tantos dados como na atualidade, gerando duas necessidades primordiais.
a) O armazenamento destes dados com segurança e capacidade suficientes para esta verdadeira “avalanche de dados”.
b) Soluções que consigam possibilitar extrair o melhor proveito destes.
Talvez o maior desafio tenha passado a ser o de transformar “dados” em Informações uteis para decisões mais acertadas. O diagnóstico para os desafios gerenciais passou partir de modelos preditivos, resultantes deste processo, e que possibilitem recomendações para decisões e ou ações mais efetivas e justificáveis.
Para tanto é fundamental compreender como essa transformação de dados em inteligência e os demais passos devem acontecer. A imagem abaixo apresenta os passos que as organizações devem seguir para conseguirem de fato gerar informações, inteligência e a partir daí definir ações e atingir os impactos esperados nos negócios.
Vamos passar passo a passo por cada uma dessas etapas da imagem acima:
1. Dados
As empresas, muito provavelmente tem uma quantidade gigantesca de dados disponíveis e/ou acessíveis, contudo esses dados muito provavelmente estão espalhados e completamente desorganizados.
É provável que uma boa parte dos dados esteja em sistemas ERP e de CRM, contudo é muito provável que em outros locais não tão acessíveis como planilhas em computadores de colaboradores, arquivos de texto, arquivos de apresentações, cadernos de anotação ou na cabeça de muitas pessoas.
É justamente nesses locais não estruturados e de difícil acesso que muitas empresas deixam “escorrer pelos dedos das mãos” oportunidades e conhecimentos que poderiam, se bem gerenciados, alcançar resultados significativos para a organização.
Para que as empresas tirem vantagem desses dados desestruturados que elas possuem, os mesmos tem que ser identificados, filtrados, ordenados e estruturados através de uma arquitetura de dados, além de definir um processo para a coleta e organização dos mesmos.
2. Informação
Como já comentamos acima, “informação é poder”, assim sendo uma vez que os dados passarem pelo primeiro processo descrito acima as empresas passarão a possuir informações inteligíveis e acessíveis, que de imediato já poderão gerar valor sem ainda não termos evoluído nesse processo de inteligência de mercado.
Contudo para que possamos gerar ainda mais valor para a empresa e suas equipes devemos comparar, sistematizar, avaliar e resumir essas informações para transformá-la em conhecimento para a organização.
3. Conhecimento
Uma vez que a organização passou a ter conhecimento sobre as informações geradas, elas podem tomar decisões muito mais assertivas e seguras pois estarão absolutamente bem embasadas.
Isso não quer dizer que a partir daí todas as decisões serão acertadas e perfeitas, mas muito provavelmente elas terão uma probabilidade maior de acertos, bem como trarão muito mais segurança para as pessoas nesse processo decisório.
O próximo passo é a transformação de conhecimento em inteligência, em que temos que combinar, interpretar, criar e prever.
4. Inteligência
Nesta etapa do processo as empresas já são ganhadoras, pois de fato se apropriaram dos dados e os transformaram em algo que realmente pode gerar valor junto aos seus processos, negócios, clientes e stakeholders.
Uma vez adquirida a inteligência a etapa seguinte é a de recomendar, disseminar e comunicar a inteligência recém adquirida, para a partir daí identificar os impactos estratégicos que podem ser gerados.
5.Impactos estratégicos
Nesta etapa, uma vez identificados os impactos estratégicos para a organização a empresa finalmente chegou ao momento da tomada de decisão.
A partir daí as decisões serão muito mais seguras e provavelmente mais assertivas, como já comentamos anteriormente. O passo final desse processo todo é a implementação e avaliação.
6. Ação e decisão
Não é à toa que a imagem que utilizamos para explicar o processo da transformação de dados em ação e decisão é uma pirâmide, pois é efetivamente a evolução rumo ao topo, onde esse processo culmina a subida de um degrau importante da organização rumo a um modelo de gestão muito mais analítico e menos baseado apenas no sentimento e “apostas” baseadas em percepções.
Vamos contar uma história que aconteceu com um cliente onde realizamos exatamente esses passos e conseguimos gerar um impacto importante nos negócios.
Um cliente distribuidor de cimento, que vendia para lojas em uma determinada região.
Eles tinham o histórico das vendas por clientes, mas quando indagamos qual o potencial de compra de cada cliente comparadas às vendas atuais, eles não sabiam responder.
Ao mesmo tempo esse distribuidor de cimento, estava semanalmente com seus funcionários nos estoques dos seus clientes lojistas, mas nunca havia se “apropriado” dos dados que lá estavam disponíveis.
Criamos então um formulário bem simples que o motorista do caminhão que realizava as entregas deveria preencher após cada entrega com as seguintes informações:
- Marcas que tinham no depósito do lojista
- Quantos sacos de cimento cabiam no estoque
- Quanto sacos de cimento haviam no estoque
Notem que um motorista que passa o dia carregando sacos de cimento tem a capacidade de “bater o olho” em uma pilha de sacos de cimento e estimar com boa precisão a quantidade lá existente.
A partir dessa coleta de dados sistemática ao longo de algumas semanas,
pudemos transformar esses dados em informação e depois de compará-los, conseguimos estimar qual o potencial de vendas que esse distribuidor poderia ter em cada cliente.
A partir daí foi possível criar uma estratégia individual para cada cliente, afinal aquele cliente que eles já vendiam a grande maioria do potencial que se poderia vender (o nome técnico para essa comparação entre o que vendemos e o potencial que o cliente poderia comprar é de “client share”), definimos estratégias de defesa do client share ou de agressividade comercial para crescermos, naqueles cujo nosso client share era pequeno.
Não se têm dúvidas a respeito desta grande contribuição que a tecnologia trouxe ao desenvolvimento do Marketing, e mais precisamente do “Marketing Analytics”, porém como quase tudo que soluciona ou melhora alguma coisa, acaba-se por gerar outros “problemas”. No artigo aqui referenciado, nos é relatado este risco, onde informações privadas possam ser divulgadas ao público e mesmo a concorrentes. Sem dúvidas, este receio poderá trazer como desafio àqueles que passaram a construir seus modelos de “Marketing Analytics” a lidar com as dificuldades para continuar a coletar e ter acesso aos dados de seus clientes e usuários, tema amplamente debatido em fóruns internacionais e objeto de nova legislação em nosso país.
Independentemente de todos os benefícios e desafios que esta combinação entre tecnologias, estatística, matemática e marketing trouxeram nas últimas décadas à Administração de empresas e à Academia, está o fato de que cada vez mais se consegue identificar onde e como se investir mais esforços e obter-se mais resultados e isto gera maior eficiência a todos.
A discussão ou mesmo o ceticismo que por vezes ocupa a atenção em algumas empresas com relação a importância do Marketing parece não estar bem resolvida. Pelo menos chega-se a esta conclusão depois de ler o artigo “Demonstrating the Value of Marketing”. Certamente as dificuldades em avaliar os efeitos dos investimentos em Marketing derivam das inúmeras correlações que esta área agrega nas empresas.
Sim, pois o Marketing na prática talvez seja uma das áreas que mais interage com as demais áreas da empresa, o que por vezes pode permitir que estas outras acabem por se beneficiar dos impactos positivos gerados.
O presente artigo nos demonstra com uma variedade de exemplos onde estes resultados e as decisões que os precederam se fundamentaram, e exemplifica a relevância para os objetivos de uma organização servir-se com propriedade dos ensinamentos desta ciência. Talvez dois dos melhores exemplos possam ser o da Honda quando introduziu a terceira fileira de acentos no seu novo modelo de carro “Odyssey“, resultando em altas nas ações da empresa e satisfação dos clientes com feedbacks positivos. O segundo exemplo foi quando a Procter & Gamble decidiu diminuir os investimentos de preços promocionais e descontos em 24 produtos, e o resultado foi uma significativa perda de market share, por longo tempo, mas em contrapartida um aumento na margem e lucros dos produtos.
Decisões como estas ilustram o que realmente está no âmago desta discussão. A tensão gerada pela cobrança dos acionistas por maiores retornos sobre seus investimentos, a necessidade de demonstrar eficiência operacional com indicadores como “EBITDA” por parte dos gestores e a dificuldade que existe em demonstrar, através de uma única métrica ou padrão, o retorno que o Marketing pode trazer.
Todavia esta dificuldade do Marketing resulta justamente da sua riqueza de possibilidades onde, dependendo da empresa, do produto, dos objetivos e da estratégia, poderá se enfatizar modelos analíticos, preditivos, ou “Dashboard” para se demonstrar as reações de causa-efeito das decisões de Marketing. Poderá se utilizar de outras medidas, como aumento de “Market Share”, volumes de vendas, preferência por marca, tempo de vida do cliente, fidelização e outras tantas maneiras mais intuitivas de avaliar, onde para todas estas haverá críticos e adeptos, pois o Marketing tem uma certeza, pressupõe investimentos bem feitos e alocação destes de maneira eficiente, para somente depois gerar resultados.
Por fim gostaríamos de apresentar a fórmula da inteligência de mercado para desmistificar a necessidade de um super-computador ou de cientistas da NASA para cumprir essa tarefa.
A figura a seguir demonstra o passo a passo para se criar a inteligência de mercado em qualquer organização.
Portanto, para a organização estruturar a sua Inteligência de Mercado basta seguir os seguintes passos:
1. Identificação da necessidade
Saber qual pergunta você quer e/ou precisa responder é fundamental nesse processo, portanto comece se perguntando qual ou quais perguntas eu gostaria de te respondidas.
2. Dados internos
A partir da definição da pergunta a ser respondida, o próximo passo é identificar quais dados internos você tem acesso e possuí que podem ajudar a responder à pergunta
3. Dados externos
Muitas vezes os dados internos não são suficientes para responder à pergunta, então partimos para a busca dos dados externos.
Os dados externos são dados que não estão dentro da organização, mas de alguma forma podemos nos apropriar deles, seja através de pesquisas ou levantamento de dados junto às nossas equipes. Lembrem-se do exemplo do motorista do caminhão de cimento.
Vale lembrar que muitos dados externos valiosos são públicos e acessíveis com o clicar de um botão.
4. Compilação
Nesta etapa temos que juntar todos os dados internos e externos levantados e compilá-los, organizá-los de forma conjunta, de tal forma que possam ser inteligíveis e utilizados para responder a pergunta.
5. Catalogação
Essa etapa, apesar de mais “trabalhosa” é fundamental, afinal se não catalogarmos de forma estruturada os dados levantados e compilados, eles podem não ser acessíveis de forma simples, e em muitos casos poderão “se perder” no meio da massa de dados.
6. Análise
A etapa de análise é o final do fórmula da inteligência de mercado, onde juntamos todas as peças do quebra-cabeça e conseguimos responder a pergunta inicial.
Vale a pena contar uma história que vivemos onde a fórmula da inteligência de mercado foi utilizada e foi fundamental para a continuidade de um produto que queríamos lançar no mercado.
Militávamos no mercado de seguros e queríamos lançar um produto para corredores amadores.
Para desenvolvermos o “business plan” financeiro do produto, necessitávamos saber quantos corredores existiam a época no Brasil.
Infelizmente tal informação não estava disponível, de tal forma que o único jeito era estimar o número de corredores.
Para tal utilizamos a fórmula da inteligência de mercado:
1. Pergunta – Quantos corredores amadores existem no Brasil?
2. Dados internos – um tênis de corrida dura aproximadamente 500Km.
3. Dados externos:
a) um corredor amador treina em média 25Km por semana ou 100Km por mês (note que essa quantidade pode variar muito, de acordo com o objetivo de cada corredor, corrida de 10K ou uma maratona com 42Km ou mais precisamente 42.195m).
b) no Brasil eram vendidos à época 25.000.000 de pares de tênis de corrida aproximadamente.
4. Compilação – juntamos todas as informações em tabelas de excel.
5. Catalogação – determinamos que as informações estariam disponíveis e acessíveis em determinado local do servidor.
6. Análise – fizemos a seguinte equação:
a) Se um tênis dura 500Km.
b) E um corredor correr 100Km por mês ele precisa aproximadamente de 2,5 pares de tênis por ano.
c) Se vendemos 25.000.000 de pares de tênis de corrida por ano.
d) E dividirmos essa quantidade por 2,5 pares de tênis por corredor por ano.
e) Chegamos ao número estimado de 10.000.000 de corredores no Brasil.
Notem que esse número muito provavelmente não era preciso, mas para a nossa necessidade era uma ordem de grandeza aceitável, mesmo com algum possível erro para cima ou para baixo.
Afinal chegamos à conclusão que se vendêssemos para 1% do mercado potencial o produto teríamos R$ X,XX de faturamento mensal, e retirada a sinistralidade e a comissão do corretor de seguros a seguradora iria ganhar R$ y,yy por mês e por ano.
Como todos puderam notar para fazer esse cálculo, somente foi necessário saber as 4 operações básicas da matemática.
Na verdade, a maior dificuldade desse processo todo foi a definição de quais variáveis iriamos utilizar e levantar os dados internos e principalmente os externos.
Sobre os autores:
Flavio Nusbaum |
Economistas pela PUC-SP e pós-graduado em Marketing pela ESPM-SP. É Consultor de empresas sócio fundador da MartinBaum Consulting desde 2007, professor da FDC – Fundação Dom Cabral desde 2012 e fundador do Clube da Consultoria. Como executivo atuou em diversas empresas como Banco Garantia, Banco Iochpe, Reuters, Bloomberg, Algorithmics, Siemens e AON. |
David Zini |
Mestre em Administração de Empresas-EASP/FGV, Especialista em Design Thinking – Yale Univ. e Pós-graduado em Business Analytics, Economics e Accounting – HBS, STC – FDC, CEAG – EASP/FGV, atualmente é professor associado da FDC no programa do PAEX e monitorias comercial. Já atuou como professor no IBMEC – SP e na Planorh – FAAP. |
Referências:
Wedel, Michael & Kannan, P.K. – Marketing Analytics for Data-Rich Environments – Journal of Marketing: AMA/MSI Special Issue – DOI:10.1509/jm.15.0413
Hanssens, Dominique & Pauwels, Koen H. – Demonstrating the Value of Marketing – Journal of Marketing: AMA/MSI Special Issue – DOI:10.1509/jm.15.0417